Ministério masculino é retrocesso na luta por direitos das mulheres
Para Clara Araújo, socióloga do departamento de Ciências Sociais e Coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Desigualdade Contemporâneas e Relações de Gênero (Nuderg) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), um governo e a representação política como um todo deveria refletir a diversidade social e os interesses democráticos do país. Portanto, ainexistência de mulheres – que são maioria da população e do eleitorado – ou outros segmentos da sociedade representados no governo anula qualquer chance de diversidade.
Além disso, a pesquisadora pondera que neste governo interino a distribuição de cargos emtroca de apoio para o impeachment foi ainda maior do que se vê normalmente. No entanto, ela questiona se não havia, nos quadros desses partidos que agora compõem o governo, mulheres para assumir algumas das pastas. “É um enorme retrocesso, pois depois de algumas décadas de espaço volta-se a estaca zero. É muito difícil conceber que num conjunto amplo de partidos não exista uma mulher para assumir um ministério”, ressalta.
Para Clara, mais grave ainda do que a nula representatividade é o risco do Brasil retrocederainda mais diante da agenda conservadora que poderá ser imposta pelo conjunto de valores tradicionais que o governo interino representa. “Há um grau de conservadorismo muito grande, com concepções familistas e paternalistas sobre quais são os papéis das mulheres na sociedade”, conclui.
Militante do movimento feminista desde a década de 70 e coordenadora da Rede de Desenvolvimento Humano (Redeh), Shuma Schumaher vê a composição do ministério de Temer como uma forma do patriarcado assumir o poder de vez. “Até o ministério do Figueiredo tinha mulheres. Estamos de volta a era dos militares”, criticou. Para ela, porém, o novo governo é coerente e está mostrando o respeito que têm pelas mulheres. “Estamos indignadas, mas não surpreendidas”, lamenta.
Sobre a perda de status das pastas ligadas às questões sociais – a Secretaria das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos deve passar a fazer parte do Ministério da Justiça – Shuma afirma tratar-se também de um grande retrocesso. Para ela, nos governos petistas de Lula e Dilma, houve um breve reconhecimento dos muitos anos de luta pelos direitos das mulheres. O risco, agora, é uma volta ao passado. “Não é apenas um golpe contra a presidenta, é também um golpe contra as mulheres, os negros, as negras, os indígenas e os movimentos sociais”.
Clara Araújo afirma que só é possível avançar quando há vontade política. na sua opinião, mesmo Dilma Rousseff, que tinha como meta compor seus ministério com pelo menos 30% de mulheres viu-se com bem menos por conta da pressão das indicações dos partidos aliados. “Na medida em que esse elemento [representatividade das mulheres] é completamente desconsiderado revela-se a lógica dos partidos.”
Temer chegou a cogitar mulheres para sua equipe e teria convidado a ex-ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Ellen Gracie para assumir a Controladoria-Geral da União (CGU), mas ela teria recusado. Foi aventado também os nomes das deputadas Mara Gabrilli (PSDB) e Renata Abreu (PTN), mas as negociações parecem não ter prosperado. Além disso, elas estariam sendo cogitadas para pastas que deixaram de existir, como a dos Direitos Humanos.
Desde a ditaduraMulheres chegaram ao ministério no governo do general João Figueiredo (1979-85), ainda no regime militar, quando Esther de Figueiredo Ferraz assumiu a então pasta de Educação e Cultura entre 1982 e 1985.
Quando assumiu seu primeiro mandato, em 2011, Dilma Rousseff entregou dez postos do alto escalão do governo a mulheres. A senadora Gleisi Hoffman (PT-PR) assumiu a Casa Civil; Miriam Belchior foi para o Planejamento; Graça Foster tornou-se presidente da Petrobras; Ideli Salvatti passou pela Pesca, Relações Institucionais e Direitos Humanos; Helena Chagas na Secretaria de Comunicação; Tereza Campello em Desenvolvimento Social; Izabella Teixeira em Meio Ambiente; Luiza Bairros na Secretaria da Igualdade Racial; Marta Suplicy, hoje no PMDB, mas ex-PT, foi ministra da Cultura; e Maria do Rosário foi ministra dos Direitos Humanos. No segundo mandato, porém, o número foi reduzido para seis assumiram o cargo em 2015.
Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) teve 11 ministras, duas delas interinas. No governo Lula mulheres estiveram em cargos centrais, como Dilma, que foi ministra da Casa Civil.
No primeiro mandato, Fernando Henrique Cardoso (1995-1998) entregou apenas o Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo para uma mulher, Dorothéa Werneck. No segundo mandato (1999-2002) foram três ministras: Anadyr de Mendonça Rodrigues, na Controladoria-Geral da União,Cláudia Maria Costin, na Secretaria de Estado de Administração e do Patrimônio, e Wanda Engel Aduan, na Secretaria de Estado de Assistência Social.
Antes, no governo Itamar Franco (1992-1994), a única mulher a assumir de fato uma pasta foi Luiza Erundina, na Secretaria de Administração Federal, por cinco meses. Já Fernando Collor (1990-1992) escolheu duas mulheres: o então Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento foi comandado por Zélia Cardoso de Mello e o Ministério da Ação Social teve Margarida Maia Procópio.
Nos cinco anos de governo de José Sarney (1985-1990), apenas Dorothéa Werneck atuou como interina no Ministério do Trabalho.
*Da Carta Capital
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