sábado, 18 de fevereiro de 2012


Carnaval paraense: um antigo enredo

EDUARDO ROCHADa Redação
A saudade sempre deu samba, e, por isso, nunca sai de moda. É, por exemplo, o caso dos antigos carnavais com suas marchinhas, blocos, escolas e foliões em geral. Em Belém e no interior do Estado, o carnaval tem história: desde o Século 17, a animação toma conta das ruas, dos salões dos clubes sociais, das escolas e blocos e dos paraenses em geral. Tanto que o carnaval paraense criou a figura da sambista, hoje esquecida nas programações, como, também, o porta-estandarte, personagem que até hoje enaltece o desfile das escolas de samba ao público. O passado e o presente do carnaval se entrelaçam sempre para saudar o futuro, como em shows e na passarela da Aldeia Amazônica David Miguel e eventos em distritos de Belém e municípios paraenses, como Bragança, Curuçá, Vigia, Ilha do Mosqueiro, Marudá, Arquipélago do Marajó, Salinas e Colares.
Um momento para matar a saudade, no meio da animação atual, será o show 'Velhos Carnavais', um show-baile que o músico e compositor Yuri Guedelha e o Sarau Brasil irão protagonizar no Teatro Waldemar Henrique, na praça da República, a partir das 20h. Vai ser uma oportunidade para se relembrar o ou conhecer as famosas marchinhas de carnaval e os mais belos e famosos sambas-enredo das escolas de samba do Rio de Janeiro e de Belém. No repertório, composições, ou melhor, marchinhas carnavalescas que antigos e novos foliões conhecem de cor: 'Jardineirinha', de Benedito Lacerda e Humberto Porto; 'Máscara Negra'’ de Zé Kety; 'As Pastorinhas', de Noel Rosa; 'Pierrot Apaixonado', de Noel Rosa; 'Ô Balance', de Braguinha - Alberto Ribeiro; 'Linda Morena', de Lamartine Babo; 'Bandeira Branca' de Max Nunes e Laércio Alves; 'Aurora', de Mário Lago-Roberto Roberti; ‘Ô Abre Alas’, que considerada como a primeira das marchinhas, composta em 1899 por Chiquinha Gonzaga (1847-1935).
NO SAMBA
A história do carnaval paraense começa comas primeiras notícias sobre o assunto datando do Século 17, de acordo com o historiador Vicente Salles, como informa o médico Alfredo Oliveira no livro 'Carnaval Paraense' (Secult, 2006). Neste período predominou o entrudo, 'um grotesto entretenimento nos dias de folia, que levava as pessoas a arremessarem líquido uma nas outras'. O entrudo foi trazido pelos colonizadores portugueses, e preponderou até meados do Século 19, cedendo espaço para novas práticas carnavalescas que por aqui chegavam, via marítima, principalmente de Pernambuco e Rio de Janeiro. Nos 'duelos' entre os participantes do entrudo eram utilizados desde água perfumada até misturas mal cheirosas em recipientes variados, como baldes, penicos e os 'limões de cera', ou seja, invólucros de cera. A Igreja Católica condenava esta iniciativa, publicando, inclusive, uma pastoral contrária ao trote carnavalesco, em 4 de fevereiro de 1784.
Três etapas tem a história do carnaval paraense, como afirma Alfredo Oliveira. São elas: Carnaval do entrudo - de 1695 a 1844; Carnaval pós-entrudo - de 1844 a 1934; Carnaval da era do samba - a partir de 1934. O carnaval pós-entrudo surgiu das novas práticas carnavalescas que chegaram ao Estado, destacando-se os bailes de máscaras, Zé Pereira, corso, clubes carnavalescos e o carnaval de rua com os sujos e mascarados, desfiles de cordões, blocos e carros alegóricos. O primeiro baile de máscara em Belém ocorreu no Teatro Providência, em 1844. Em seguida, o carnaval de salão tomou conta da capital paraense, todos os anos, em locais diferentes e animados por orquestra tocando um repertório variado, sem ainda as músicas específicas da quadra. Desse modo, valsas, quadrilhas, lundus, polcas e o maxixe animaram as festas, com direito a máscaras e fantasias. Somente no Século 20 explodiriam o samba e as marchinhas
BAILE
Dias após ter sido inaugurado em 15 de fevereiro de 1878, o Theatro da Paz sediou um baile de máscaras. Houve bailes de carnaval na Assembléia Paraense, Pavilhão de Recreio, Passeio Público, Alydea, Clube 7 de Janeiro, Dhália Paraense e o Clube dos Girondinos. Em 1899, não somente os clubes e teatros reuniam os foliões em festas, mas as casas contavam com os 'assustados', denominados assim por que costumavam pegar de surpresa os donos dos imóveis. Também havia folia em clubes no subúrbio da cidade e pensões da zona do meretrício, no centro de Belém. Passeatas ruidosas ao som de bumbos, com paradas em bares e botequins. Assim era o Zé-Pereira, uma manifestação cultural originária de Portugal, que começou no Rio de Janeiro.
O corso era formado por uma fila de veículos abertos ou de capota arriada transportando foliões à toda. Nos encostos dos bancos dos carros, senhoras e senhoritas vestiam fantasias e lançavam confetes, serpentinas e jatos de lança-perfume no público no antigo Largo da Pólvora, atual praça da República. Os carros fechados, tempos depois, contribuíram em muito para o término desta manifestação reunindo homens de terno, chapéu e gravata, e mulheres vestidas até os tornozelos. Nos clubes carnavalescos, nas duas primeiras décadas do Século 20, destacaram-se o Martelos de Prata, do Umarizal; Malhos de Ouro, da Pratinha; Fígaros de Belém, dos barbeiros da cidade; Regadores, cujo estandarte foi pintado por Teodoro Braga; Bilontras, da boemia da rua Riachuelo.
No final do Século 19 e começo do Século 20, juntaram-se ao Zé-Pereira os sujos e mascarados, cordões e blocos e desfile de carros alegóricos, principalmente na praça da República. Nos sujos e mascarados predominavam homens vestidos de mulher e vice-versa, além de caveiras, palhaços, bebês de chupeta, diabo e velho. Os cordões 'Roceiros', 'Pretinhos' e 'Marujos'.
Entre os primeiros blocos em Belém, no começo do Século 20, figuram Principado Brutamontes, Novos Fidalgos da Fancaria, Filhas da Manhã de Maio, Reque-reque e Pim-pam-pum. Em 1928, no Rio de Janeiro, os blocos deram lugar às escolas de samba. Em Belém, este processo concretizou-se em 1934. Tempos depois, por influência das escolas, os blocos assumiram novo formato. O desfile de carros alegóricos começava na rua 15 de Novembro. Alguns famosos são: Guará, Caixa d´Água, carros das sapatarias Leite e Boa Fama e os da Importadora de Ferragens. Em 1940 surgiram as barcas. A terceira etapa do carnaval paraense começa com as escolas de samba, constituindo-se um marco a fundação do 'Rancho Não Posso Me Amofiná', no Jurunas, em 1934, por iniciativa do operário Raimundo Manito.
As escolas de samba fizeram o carnaval das batalhas de confete (1934 a 1957) no Largo da Pólvora, o Bosque Rodrigues Alves, no Marco, e a Aldeia do Rádio, no Jurunas. Além do Rancho brilharam neste período as escolas 'Tá Feio', da Campina, 'Escola Mista do Carnaval', do Umarizal, 'Escola de Samba Uzinense', da Cremação. Nesta época surgiram a coroação do Rei Momo (Mário Alberto Valério Coelho, com 220 quilos, o 'Cuia', até hoje é o mais lembrado), o Círculo dos Cronistas Carnavalescos, a Rainha do Carnaval de Salão, o aparecimento das sambistas e a fundação de novas escolas de samba. O bancário Nagib Elias Eluan foi o primeiro Rei Momo do carnaval paraense. Desde a década de 40, a Rainha das Rainhas do Carnaval realça a folia no Estado, e o concurso é mantido atualmente pelas Organizações Romulo Maiorana. As sambistas, criação paraense, funcionaram como as rumbeiras do cinema mexicano, pela indumentária e rebolado, desfilando na frente das escolas ou baterias. Zilda, do Rancho, foi a primeira sambista de Belém.

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