sábado, 15 de fevereiro de 2014

O manual de tortura EMPREGADO PELA CIA E NO BRASIL

Essa violência não esteve limitada aos anos 60. No início dos anos 80, a agência de 
espionagem norte-americana, a CIA, criou um manual, até há pouco guardado em segredo, que ensinava as suas técnicas particulares de interrogatório mediante tortura. Ele foi oferecido a diversos organismos policiais, militares e de inteligência da América Latina.
            Com o pomposo nome de Manual de Treinamento para a Exploração de Recursos Humanos, o expediente ensinava que os locais usados para interrogatório deveriam ser escuros, sem janelas, isolados acusticamente e sem banheiros. Um trecho do livro diz:
            "Desde o primeiro momento, o interrogado deve ser convencido de que o interrogador controla seu destino e que a sua própria sobrevivência depende da absoluta cooperação."
            Adiante, explica:
            "Apesar de não recomendarmos o uso de técnicas coercitivas, queremos que vocês as conheçam e saibam como aplicá-las."
            Nessas técnicas coercitivas estava a chamada cisterna de privação dos sentidos:
            "Os interrogados serão colocados em cisternas cheias de água e usarão máscaras que cubram sua cabeça completamente, permitindo apenas que eles respirem. Escutarão unicamente a própria respiração e alguns sons da água da câmara. O estresse e a ansiedade se tornarão insuportáveis."
            Como se vê, em pleno século da luz, na era da tecnologia e da inteligência, praticavam-se atos medievais, em instalações públicas, tendo por agentes funcionários do Estado, pagos pelos tributos de todos os cidadãos. E, o que mais se lastima, a experiência não foi totalmente varrida.

A tortura na história
            Na Idade Média, utilizava-se borzeguins de madeira, destinados a triturar progressivamente os tornozelos. Vieram, depois, os choques elétricos. Em seguida, ficou famosa a chamada "Virgem de Nuremberg", que consistia em uma estátua de ferro, oca e cheia de punhais, dentro da qual colocava-se o acusado, fechando-o pouco a pouco em seu interior. Eram práticas, enfim, que não ofereciam ao indivíduo nenhuma possibilidade de demonstrar a sua inocência. Serviam exclusivamente para arrancar a confissão, devida ou indevidamente.
            O policial que emprega a tortura como técnica não é apenas um profissional incompetente. É um sádico ou patológico.
            A tortura nos organismos policiais
            É de singular esclarecimento a monografia "Direitos Humanos e Democracia Participativa: a função da Polícia Civil como Polícia Cidadã", de autoria de Maria do Carmo da Silva Oliveira e Rosângela Cavalcante de Melo Almeida Lima, Delegadas de Polícia dos quadros da Secretaria de Segurança Pública do Estado de Alagoas. Elas escrevem:
            "Infelizmente numa era engendrada na globalidade, onde o Estado Democrático de Direito deve prevalecer, existem ‘autoridades’ que sob a égide de uma corporação ou de um órgão que ironicamente deve propiciar segurança, ao revés barbarizam (...). Vejamos o que diz Nelson Pizzoti Mendes: ‘A tortura foi entre nós institucionalizada, erigida em método regular de confissões, não estando nenhum cidadão livre de, sob mera suspeita, ou acusação, ser agarrado e massacrado nos fundos de uma delegacia de polícia’ (In Justitia, Vol. 71, p/ 47-8)".
            Ao tratarem especificamente da tortura, as autoras observam:
            "Abordaremos, agora, a tortura, assunto mais delicado dentro do âmbito policial e motivo de conflito com os movimentos dos Direitos Humanos. Como definição, a tortura é sinônimo de suplício, tormento, sofrimento. É todo o sofrimento a que uma pessoa é submetida por outra, desde que seja executada de propósito pela primeira, contra a vontade da segunda pessoa. O torturador é aquela pessoa que submete alguém ao sofrimento (...), à revelia da lei e risco pessoal. O significado da tortura tem três aspectos, quais sejam:
            - Desumanidade: porque desgraça e despersonaliza a vítima;
            - Injustiça: porque a pena está sendo aplicada antes da sentença;
            - Ineficácia: porque as informações obtidas podem ser falsas e resultarem inúteis."
            As autoras esclarecem, na seqüência, os tipos de tortura, desventuradamente utilizados na seara policial. São eles:
            -FÍSICA: através do sofrimento físico, com a utilização de pau-de-arara, borracha, afogamentos, choques elétricos, bofetadas, etc.
            -PSICOLÓGICA: por meio de ameaças, humilhações, vexames, injúrias, tratamento degradante.
            -QUÍMICA: por mistura de drogas na comida ou na água, cheirada, injetada; e soro da verdade, gases tóxicos, etc.
            -SEXUAL: por castração, estupro, ato libidinoso, etc.
            Os torturadores, por sua vez, são apresentados pelas autoras como:
            -SÁDICOS: são os que fazem porque gostam de fazer.
            -CUMPRIDORES DE ORDEM: fazem como se estivessem cumprindo uma obrigação; atendendo determinação de uma autoridade.
            -PATOLÓGICOS: portadores de anomalias mentais, destacando-se, por exemplo, os paranóicos.
            A bem estruturada monografia, relaciona, também, as alegações que os torturadores costumam oferecer quando são denunciados e processados. Em regra, são as seguintes:
            -Queriam um interrogatório severo, sob pressão, para obter o esclarecimento da verdade.
            -Estavam agindo em legítima defesa do Estado, frente ao ocultamento de crimes insolúveis.
            -Na ocorrência de morte (acidental), foi por rebeldia da vítima, que não quis cooperar.
            -Os meios empregados foram os necessários para que se chegasse ao esclarecimento. Sem eles, não seria alcançado o resultado de interesse da ordem pública.
            Vale ressaltar a curiosa conclusão de pesquisa realizada em 20 de junho de 1999, junto à população da cidade de Maceió-AL, quando se constatou que 20% dos entrevistados conhecem algum torturador pertencente a uma das três instituições policiais: militar, civil ou federal. A pesquisa, desenvolvida pelo GAPE, relatada na monografia em tela, traz, ainda, os seguintes dados registrados pelas autoras:
            "Entre o universo pesquisado, a Polícia Militar é apontada como a instituição com o maior número de torturadores, 39%, seguida da Polícia Civil com o percentual de 33% e da Polícia Federal com 14%. Para 86% das pessoas entrevistadas, os torturadores não são punidos quando descobertos; 12% disseram que eles são punidos e 2% não opinaram. Na opinião de 29% dos entrevistados, a prisão é a principal punição que deveria ser aplicada a um torturador; 21% acham que a mesma tortura deveria ser aplicada a um torturador; 17% não sabem; 16% optaram pela pena de morte; 4% são a favor da prisão perpétua; 2% optaram pelos rigores da lei e 1% não opinou. A grande maioria (95% dos entrevistados) acha que uma pessoa que praticou tortura não deveria assumir função pública. De acordo com 83%, não há necessidade do uso de tortura para obter-se a confissão."
            As autoras, que, sublinhamos, são Delegadas de Polícia, trazem importantes considerações sobre práticas irregulares no âmbito policial, denunciadas insistentemente mas não erradicadas:
            "No que tange à tarefa de esclarecer os fatos, não raramente inverte-se o que se aprendeu nas escolas ou academias de polícia: ao invés de investigar e provar o fato, para depois prender o seu autor, prende-se o indivíduo para, em seguida, investigar o fato."
            Por derradeiro, a monografia traz a denúncia:
            "Muitos grupos, no seu próprio interesse ou a serviço do poder dominante (e não a serviço da sociedade) utilizaram a Polícia e, de certo modo, a viciaram. Com os erros e acertos dela, esses grupos ganharam socialmente. No final, só a Polícia foi execrada. Por que? Será que o policial está consciente de que tem sido usado de forma irregular? Por que ainda não descobriu que a sociedade não é a sua inimiga, uma vez que ele próprio e toda a sua família são partes dessa sociedade?"
            O estudo, feito a partir de elementos recolhidos junto à atividade policial do Estado de Alagoas, é revelador de um quadro nacional. Edmilson Miranda, Secretário de Segurança Pública de Alagoas em 1999, citado na monografia, aponta uma realidade que espelha a situação no país:
            "(...) para limpar a Polícia é preciso muito mais do que demissões e prisões sumárias; é preciso, acima de tudo, dar condições de trabalho às organizações policiais (...); é necessário estabelecer uma série de medidas assistenciais que abrangeriam as áreas jurídica, financeira, estrutural, de saúde física e psicológica, etc."
            Não se pode desconhecer a realidade das polícias atualmente. Baixos salários, falta de infra-estrutura e dependência política reduzem a capacidade de produção dos agentes da segurança pública. Os bons e honestos acabam convivendo, dentro da mesma instituição, com maus policiais, violentos, corruptos, descomprometidos com o objeto da função. A questão, hoje, está posta nos termos da prioridade política. Aos governantes cabe restabelecer a seriedade das organizações policiais, para que elas possam tratar corretamente da segurança dos bens maiores dos indivíduos: da vida, da liberdade, da honra, da propriedade. Enquanto isso não ocorrer, o campo estará aberto à corrupção e à prevaricação, como fontes naturais de renda e de prestígio; e à tortura, como técnica de investigação.
            Essas considerações não só nos permitem recolher notícias sobre a tortura nos organismos policiais – e, assim, entendermos o expediente tortura, em si - como a avaliar esse universo para efeitos de responsabilidades, uma vez que a situação acaba por refletir nos processos disciplinares que correm junto às Corregedorias de Polícias em todos os Estados. A conduta do agente policial, dessa forma, não pode ser vista isoladamente, mas precisa ser avaliada dentro do infeliz conjunto que a realidade nos apresenta, pelo descompromisso político, pelo desgoverno que se assiste, pelo desinteresse com as efetivas prioridades da sociedade brasileira.

A exploração das reações fisiológicas
            Está demonstrado que o homem, ao mentir, experimenta reações em seu organismo que são incontroláveis. O pulso acelera, a boca resseca, o suor aparece em abundância, a pele fica rubra. Por isso, a exploração desse fenômeno tornou-se importante elemento na investigação desde muitos séculos.
            Na antiga China, obrigavam o suspeito a mastigar um punhado de arroz cru. Se conseguisse engolir facilmente, dizia a verdade; se, com a boca ressecada, só o conseguisse às custas de grande esforço, por certo mentiria.
            Os árabes, por sua vez, colocavam uma lâmina em brasa junto à língua do suspeito. O bafo úmido emitido pela garganta do homem inocente serviria para lhe salvar a vida; mas uma queimadura na boca seria sinal de culpa.
            Na África, os feiticeiros farejavam o hálito dos suspeitos, apostando nas reações do organismo diante à mentira.
            Na própria França, durante a Inquisição, costumava-se colocar o interrogado em um pequeno tamborete, em forma de sela. Enquanto ouvia a leitura da acusação, era obrigado a manter entre os dentes um pedaço de pau, que cuspia quando começava a falar. As marcas que os seus dentes deixassem na madeira eram, então, examinadas. Se profundas, a sua culpa era considerada evidente; se ligeiras, dava-se-lhe o direito de defesa. Por isso, até hoje na França utiliza-se a gíria cuspir o pedaço, ou seja, confessar.
            Esses métodos foram substituídos por outros equipamentos de cunho científico, mas baseados nas mesmas reações. Surgiram, assim, os detetores de mentira, os polígrafos.
            O polígrafo apareceu em 1895, como criação de Cèsare Lombroso. Baseia-se nas variações da pressão arterial e da respiração. Em 1927, o aparelho foi aperfeiçoado por Leonard Keeler. Por meio de eletrodos, cintos e braçadeiras, o equipamento mede a atividade cardiovascular do corpo humano; as transformações que se dão à flor da pele (transpiração) e diversos movimentos incontrolados (oscilações de cabeça, etc).
            Em que pese o caráter científico do material, não há segurança no seu resultado. Afinal, há forte ingrediente humano na avaliação. A forma de operar o equipamento e a técnica de interpretar os coeficientes que ele aponta podem variar de profissional para profissional, retirando a certeza nas suas indicações. É conhecida, a propósito, o caso de um indivíduo que foi submetido ao polígrafo nos Estados Unidos, cujo resultado provou que ele mentia. Na sua perna esquerda, foram colocadas braçadeiras, que mediam as suas reações. E ele quis saber:
            -Onde é que você está vendo a mentira?
            -Vejo aqui na sua perna – respondeu o técnico.
            O preso, então, levantou a calça e mostrou a perna de madeira que lhe tinham enxertado na Coréia.
            Hoje, modernos programas de computador permitem identificar as variações na voz quando o interlocutor mente ou fala a verdade. Tais equipamentos são admitidos, ainda que com reservas, nas investigações policiais. São, entretanto, incompatíveis com a natureza de um processo disciplinar.
            Nos porões de órgãos policiais, autoridades, agindo em nome do Estado, violentam a dignidade humana, afrontam regras civilizadas de Direito e, não raro, cometem erros que jamais serão reparados.

O soro da verdade
            Em alguns estados americanos, a Polícia conseguiu, em um primeiro momento, legitimar o pentotal, conhecido como soro da verdade. Uma injeção de pentotal modifica prontamente o comportamento do indivíduo; ele se torna eufórico, não vendo nenhuma razão para esconder a verdade. Surgiram, no entanto, discussões científicas e ideológicas sobre o emprego de drogas no procedimento de investigação. Levantou-se inclusive a dúvida: se a droga torna o mentiroso em sincero, não poderá, por outro lado, transformar o sincero em mentiroso?

A provocação do stress
            Utiliza-se, ainda, na investigação policial, a provocação do stress como método de interrogatório. O objetivo é causar no interrogado reações que vão do pavor à histeria, da melancolia à revolta. Assim, por exemplo, há quem coloque diante ao acusado um aparelho qualquer, que lhe é apontado como detetor de mentiras. O interrogador deixa-o, por instantes, a sós na sala e fica a observá-lo por uma porta entreaberta ou por um espelho falso. A intensidade do horror demonstrado pelo indivíduo pode ser um sério indicativo da sua culpabilidade. E, a partir daí, o interrogatório ganha maior firmeza.
            Notícias falsas são, também transmitidas ao interrogado. Ele é informado que, em instantes, chegará ao recinto uma pessoa diante da qual, sabe-se, ficará extremamente constrangido. Ao ser deixado por instantes em isolamento, a refletir, poderá, depois, optar por confessar.
            Os ardis, as ciladas, as mentiras são, também incompatíveis com a técnica do interrogatório. A astúcia não pode ser confundida com a ausência de escrúpulos.

A cilada como método
            Manuais de interrogatório divulgados na década de 70 apontavam as três armas a serem utilizadas:
            - a acareação;
            - o condicionamento por vias psicofisiológicas; e
            - a cilada.
            A cilada é a utilização de artifícios que induzem o interrogado a um comportamento previamente esperado. Por exemplo, o primeiro contato do indivíduo, em uma sala de mínima luminosidade, é com um interrogador corpulento, de aparência hostil. No início, uma conversa ríspida. Ameaças sutis. Logo – já combinado – alguém chama essa pessoa. O acusado fica, por momentos, na solidão e na angústia. Depois, entra na sala um homem bem apessoado, educado, voz calma, que interessa-se pelo destino daquela criatura. Fragilizado emocionalmente e sensibilizado pelo apoio, o suspeito passa a falar.
            Entendemos que os agentes da Administração Pública, por estarem vinculados ao princípio da moralidade, não podem valer-se de expedientes à margem desse preceito. Os ardis, muitas vezes, deixam de ser um exercício de astúcia para serem práticas imorais. A esperteza não pode ser confundida com a falta de escrúpulos.

MAGNOPOLEMICO

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